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19 de Abril de 2024

Negativa genérica de Assistência Judiciária Gratuita contraria a Lei e até mesmo nova pesquisa do IBGE.

No Brasil, o novo Código de Processo Civil no Art. 98 e seguintes inovou ao facilitar a Assistência Judiciária Gratuita, mas não é o que entende boa parte dos membros do judiciário. Estudo recente do IBGE reafirma o que diz a Lei.

há 6 anos

Como advogado posso afirmar que alguns de meus clientes desistiram das ações, devido a exigência de farta documentação com custas para a concessão de Assistência Judiciária Gratuita, conhecida como Justiça Gratuita.

Quando alguém trabalha na informalidade contrata advogado privado, torna-se um verdadeiro caminho da cruz conseguir o benefício, pois boa parte dos juízes exigem caros documentos a quem teoricamente não poderia ter gatos. É paradoxal.

Em outros casos, foi possível reverter a negativa de assistência no próprio processo ou por recurso, mas em boa parte os clientes optaram por desistir da ação.

Lembro de um cliente com cerca de 30% da visão que vivia da relocação de quartos, com renda um pouco acima do mínimo.

Ele foi vitima de um golpe, perdeu quase tudo que tinha. O pouco que sobrou relocou quartos de uma casa que pagava aluguel, ou seja, não tinha como pagar antecipadamente meus honorários, tampouco taxas de certidões e etc.

Demonstrei no processo o laudo que apontava cegueira e ainda os contratos, mas não tivemos êxito. O Magistrado exigiu diversos documentos como extratos bancários, certidões negativas de bens móveis e imóveis, declaração do imposto de renda.

Poderíamos recorrer, mas o cliente optou por desistir da ação!

Em outro caso, uma família que vivia em local com espaço de um quarto, não tinha condições de comprovar não ser rica, por não poder pagar por certidões e etc. Novamente o magistrado exigiu diversos documentos, só que dessa vez, exigiu até mesmo comprovante de gastos diários e etc..., tornando ainda mais caro a comprovação de necessidade de AJG.

Como não tinham possibilidade de arcar com a documentação, pedi que a família registrasse por fotos todos seus gastos e hábitos diários durante uma semana e tivemos o benefício concedido, afinal, eram 4 pessoas que viviam de favor em um espaço de um quarto.

Pois bem, no Portal do G1 foi noticiado que: "Metade dos trabalhadores brasileiros tem renda menor que o salário mínimo, aponta IBGE". Sendo que 10% da população possui renda superior a quase metade.

Ressalta-se que metade da população trabalhadora ganha MENOS QUE UM SALÁRIO MÍNIMO. Significa que muito mais da metade da população não tem possibilidade de acesso ao judiciário, se não através de AJG.

A Carta Política do Brasil garante no Art. , inciso LXXIV, que:"o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

A comprovação de insuficiência de recursos não significa ônus excessivo com taxas, deslocamentos e etc., pois em 2015 o Poder Legislativo escolheu uma política incentivadora do benefício, mas boa parte dos membros dos tribunais ignoram.

Podemos observar legislação afirma claramente no Art. 99, § 1o, § 2o, § 3o, § 4o, do CPC, que:

“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.
§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.

Destaca-se ainda que o Novo Código de Processo Civil não exige declaração do estado de pobreza, certidões negativas e etc, bastando apenas, que o advogado faça o requerimento de gratuidade de justiça na primeira manifestação da parte no processo ou em seu curso, devendo-se presumir verdadeira a alegação.

A norma processual acima transcrita é taxativa ao admitir o indeferimento da gratuidade de justiça, somente quando o juiz evidenciar elementos que demonstrem a falta dos pressupostos, ou seja, o legislador não permitiu ao Juiz a presunção de riqueza, possibilitando a exigência de diversas documentações que demandam tempo e gastos, a justamente quem não tem tempo e possibilidade de ter gastos.

Há casos onde o magistrado em postura nada imparcial, (que em minha opinião torna julgador suspeito) investigou perfil do jurisdicionado nas redes sociais para negar o benefício.

Isso permite alguém ter AJG negada apenas por ganhar um bom presente, tirar uma foto bem vestida ou acompanhar alguém que tenha um bom veículo. Ora, quem em rede social demonstra ser miserável? Se essa moda pegar, quase toda população trabalhadora usuária de redes sociais não terá acesso a justiça.

Tal postura deveria ser realizada pela parte contrária, até porque estaria mais próxima de quem pleiteia o beneficio, tendo melhores condições para comprovar.

Por esse motivo, o § 3º do artigo 99, do CPC, afirma que: “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência”, quando tratar-se de pessoa natural. E nem mesmo a assistência de advogado particular impede a concessão do referido benefício, por força do § 4º do art. 99, do CPC.

O Estudo do IBGE é claro, a Lei também. Todos indicam o quanto relevante é a concessão referido benefício.

Importante dizer ainda que a experiência dos últimos anos certamente me deixou menos solidário, pois não irei advogar com recebimento de honorários no êxito para quem exclusivamente cata latinhas, por exemplo, afinal, trata-se de profissional autônomo que certamente não terá condições de pagar custas para comprovar não ser parte de 10% da população, tendo assim indeferida AJG.

Por sorte, ainda existem julgados progressistas ao qual não afastaram o benefício, nem mesmo de quem possui casa própria e veículo, vejamos:

IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PROPRIETÁRIO DE BENS MÓVEIS E ADVOGADO PARTICULAR. O simples fato de o impugnado possuir bens móveis financiados em seu nome e de ter contratado advogado particular não leva a conclusão de que possua renda para bancar o processo judicial sem prejuízo de seu próprio sustento. Apelante que não logrou êxito em comprovar esta premissa. Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 00722835920118260576 SP 0072283-59.2011.8.26.0576, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 01/07/2013, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/07/2013)
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – PARTE QUE TEM IMÓVEIS E MÓVEIS – CONDIÇÃO DE NECESSITADO – NÃO DESCARACTERIZADA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. Em que pese o Código de Processo Civil estabeleça a presunção de veracidade da alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural (art. 99, § 3º), o inciso LXXIV, do art. da Constituição Federal, exige a comprovação da insuficiência de recursos. O fato de o Apelante ter imóveis e móveis não é suficiente para descaracterizar sua condição de necessitado do benefício da assistência judiciária gratuita (Ap 164057/2016, DESA. CLEUCI TEREZINHA CHAGAS PEREIRA DA SILVA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 15/03/2017, Publicado no DJE 24/03/2017)

Um julgamento de 2001 no TJSC, esclareceu muito bem a questão, afirmando a época que quem pleiteia o beneficio não precisa ser: "[...] miserável ou indigente nem que tenha ele de se desfazer de seu patrimônio para custear o processo, não sendo óbice, também, o fato de exercer atividade de profissional liberal", vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. IMPUGNADO PROFISSIONAL LIBERAL E PROPRIETÁRIO DE DIVERSOS BENS MÓVEIS. IRRELEVÂNCIA. SITUAÇÃO ECONÔMICA ADVERSA. REQUISITO SUFICIENTE PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. DA LEI 1.060/50. RECURSO DESPROVIDO. O direito ao benefício da assistência judiciária gratuita não requer seja o pleiteante miserável ou indigente nem que tenha ele de se desfazer de seu patrimônio para custear o processo, não sendo óbice, também, o fato de exercer atividade de profissional liberal. Basta que tenha de comprometer o sustento de sua família, até porque situação patrimonial não se confunde com situação financeira. (TJ-SC - AC: 155799 SC 2000.015579-9, Relator: Carlos Prudêncio, Data de Julgamento: 10/04/2001, Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. 00.015579-9, de Balneário Camboriú.)

Por fim, espero que o CNJ com base nesse recente estudo do IBGE seja capaz de modificar a cultura de presunção de riqueza do jurisdicionado que pleiteia AJG.

Fonte: https://g1.globo.com/economia/noticia/metade-dos-trabalhadores-brasileiros-tem-renda-menor-queosal...

Autor: Fabio Fettuccia Cardoso Advocacia - Portal Jusbrasil.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/negativa-generica-de-assistencia-judiciaria-gratuita-contraria-a-lei-e-ate-mesmo-nova-pesquisa-do-ibge/525959622

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3 Comentários

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Olha o que o Juizado Especial Federal de Juiz de Fora fez:

Na 10ª Sessão Ordinária de Julgamento, no dia 24/04/2015, foi editada a primeira súmula representativa do entendimento da 1ª Turma Recursal de Juiz de Fora, com o seguinte teor:

“Súmula nº 1:

Para fins de deferimento da assistência judiciária gratuita, será considerado como valor limite a metade daquele estabelecido como teto para pagamento de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS que, na data de hoje, corresponde a R$2.331,87.”

Como pode a turma recursal, composta de juízes objetivar algo tão subjetivo, uma vergonha! Todo mundo desrespeita a constituição mas acredita no futuro da nação, que país é esse! continuar lendo

Realmente. Algo muito genérico e subjetivo. Conhecimento muito distante da realidade do povo e das estatísticas. continuar lendo

Parabéns Dr, Fabio Fetuccia, o senhor conseguir fazer um apanhado conciso da questão e compartilho de sua posição. Infelizmente, o esforço para acabar com a AJG é outra face do golpe fascista no Brasil e que esta entregando nossas riquezas "de graça" ao capital internacional. Acabar com a AJG é dificultar a atuação dos advogados comprometendo todo Estado Democrático de Direito. Denn continuar lendo